Defesa já trabalha na apresentação de recurso junto ao TRE, em São Paulo, acreditando ser possível reverter a decisão de 1ª instância da Justiça Eleitoral em Bananal
Por Ricardo Nogueira
A Justiça Eleitoral de Bananal julgou procedente uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) contra o Partido Solidariedade, determinando a cassação do registro de suas candidaturas por suposta fraude à cota de gênero nas eleições municipais de 2024. A sentença aponta que o partido registrou uma candidata sabendo de sua inelegibilidade.
A decisão, se confirmada nos Tribunais Superiores em São Paulo e em Brasília, pode alterar a composição da Câmara na próxima Legislatura. O Solidariedade foi um dos poucos partidos a conseguir quociente partidário e obter uma cadeira na Câmara de Bananal sem a necessidade de cálculo pela média (sobra).
O pedido de abertura de uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) contra o Partido Solidariedade foi feito em conjunto por onze candidatas dos partidos Republicanos, MDB, PL e PSDB.
O Solidariedade lançou dez candidatos a vereador, dos quais três eram mulheres, inicialmente atendendo ao mínimo legal exigido pela legislação eleitoral. Segundo o teor do pedido da AIJE, a candidata Cláudia Reis estava inelegível desde maio de 2023 após demissão do serviço público na Prefeitura de Bananal, fato que, segundo as representantes dos 4 partidos, seria de conhecimento do Solidariedade.
A sentença, publicada em setembro de 2024, apontou que o partido manteve a candidatura de Cláudia sem substituição, mesmo após o prazo final para mudanças.
Conforme a decisão, o prazo para substituir a candidatura teria expirado em setembro e o partido manteve Cláudia na chapa, não ajustando o número de candidatos masculinos, configurando, segundo a decisão, fraude ao percentual mínimo de gênero.
Para a Juíza da 18ª Zona Eleitoral, Luciene Belan Ferreira Allemand, depoimentos de testemunhas e a baixa quantidade de votos e recursos da campanha de Cláudia são indícios de irregularidade.
A decisão implica na inelegibilidade de todos os envolvidos por oito anos e na nulidade dos votos obtidos pelo partido, além da necessidade de recontagem dos votos para redistribuição das cadeiras. A Juíza da 18ª Zona Eleitoral considerou que o princípio do in dubio pro voto não se aplica em casos de fraude comprovada.
RECURSO AO TRE EM SÃO PAULO
A Gazeta de Bananal apurou que o advogado de defesa que atua no processo e o corpo jurídico do Solidariedade em São Paulo já trabalham em conjunto na elaboração do recurso a ser apresentado junto ao Tribunal Regional Eleitoral, na capital paulista. A defesa pretende reafirmar pontos ignorados pela sentença de 1ª instância em Bananal e acredita que ela será reformada pelo Tribunal Superior, pois, segundo eles, em nenhum momento foi provado, de forma cabal e robusta, qualquer ato de má-fé do partido e, muito menos, de seus candidatos.
Sob a ótica de uma fonte ouvida pelo jornal, que atua há 30 anos em causas eleitorais em São José dos Campos, a sentença se baseou em teses e conclusões questionáveis, proferindo uma decisão exagerada e descabida. “A punição para os demais candidatos do partido foi um exagero e esse ponto certamente será reformado pelo TRE, pois generalizou um suposto conhecimento por parte de todos eles que dificilmente existiu. Não há nada no processo que demonstre, de forma inconteste, que os outros candidatos sabiam da situação. Chega a ser surpreendente essa decisão. Para ser aceita, a má-fé precisa ser comprovada por provas robustas, o que não foi o caso. Totalmente descabido ampliar a punição aos outros candidatos”.
“O ponto desse processo é a suposta má-fé. Esse caso pode não se enquadrar nas restrições da cota de gênero porque os documentos da candidata, exigidos pela Justiça Eleitoral, estavam regulares no ato do registro. O impedimento veio de um processo interno da Prefeitura, que era desconhecido pela maioria da população e só foi conhecido depois do registro, oriundo de um processo que corre ou correu sob segredo de justiça. Como o partido e os outros candidatos poderiam saber disso e, ainda mais, que poderia incorrer em inelegibilidade? Esse é um ponto crucial. E achar que o partido deveria retirar uma candidata que lutava por sua candidatura na justiça é controverso. O partido estaria prejulgando a candidata, coisa que nem a juíza eleitoral fez, uma vez que a candidata concorreu ao pleito, com seu nome na urna”, disse a fonte.
“Outro ponto é que a decisão menciona a quantidade de votos de uma candidata que foi prejudicada por um pedido de impugnação e mesmo assim teve mais votos do que seis candidatas dos partidos que pedem a cassação dos registros do Solidariedade. Precisa verificar quantos candidatos dos outros partidos tiveram menos votos do que ela. Se forem muitos, enfraquece a sentença da primeira instância nesse ponto. Ao que tudo indica, fictícia essa candidatura nunca foi.”
Na defesa apresentada em Bananal, os representados do Solidariedade defenderam a validade do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP), alegando que o cumprimento da cota de gênero foi respeitado no momento do registro das candidaturas e que eventos posteriores, como a inelegibilidade de uma candidata, não indicam má-fé ou tentativa de fraudar a legislação.
A defesa argumenta que a candidata Cláudia Reis seguiu em campanha e aguardava decisão de recurso para reverter sua inelegibilidade. Segundo o partido, materiais de campanha foram recebidos por doação, o que explica a prestação de contas parcial zerada. Também foi defendida a impossibilidade de substituição da candidatura antes do trânsito em julgado da decisão judicial.
O Solidariedade e os candidatos também afirmaram que desconheciam qualquer impedimento da candidata para concorrer, requerendo a improcedência da ação e apresentando documentos em apoio à sua defesa.
CONFIRA A ÍNTEGRA DA DECISÃO DO JUÍZO DA 18ª ZONA ELEITORAL DE BANANAL
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (11527) Nº 0600631-66.2024.6.26.0018 / 018ª ZONA ELEITORAL DE BANANAL SP
REPRESENTANTE: ELEICAO 2024 ANGELA CRISTINA FONTES SILVA VEREADOR, ELEICAO 2024 ELISANGELA DOS SANTOS SILVA VEREADOR, ELEICAO 2024 KEITY VIVIANE FARIA ARAUJO VEREADOR, ELEICAO 2024 AUREA AMELIA DE MATOS CANELA BASTOS VEREADOR, ELEICAO 2024 DEBORA DA SILVA VEREADOR, ELEICAO 2024 MARCIA HELENA DA SILVA COELHO VEREADOR, ELEICAO 2024 ELISABETE DA ROCHA COSTA CARVALHO VEREADOR, ELEICAO 2024 KARYNA CLAUDIA BARROS RODRIGUES VEREADOR, ELEICAO 2024 MATILDE NASSIF KOURY VEREADOR, ELEICAO 2024 ADRIANA LOPES DE MEDEIROS VEREADOR, ELEICAO 2024 ERIKA TEREZA COITINHO AFFONSO VEREADOR
Advogados do(a) REPRESENTANTE: RAFAEL MENEZES TRINDADE BARRETTO – BA18418, RAFAEL DE MEDEIROS CHAVES MATTOS – BA16035-A, TAMARA COSTA MEDINA DA SILVA – BA15776-A
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Advogados do(a) REPRESENTANTE: RAFAEL MENEZES TRINDADE BARRETTO – BA18418, RAFAEL DE MEDEIROS CHAVES MATTOS – BA16035-A, TAMARA COSTA MEDINA DA SILVA – BA15776-A
Advogados do(a) REPRESENTANTE: RAFAEL MENEZES TRINDADE BARRETTO – BA18418, RAFAEL DE MEDEIROS CHAVES MATTOS – BA16035-A, TAMARA COSTA MEDINA DA SILVA – BA15776-A
Advogados do(a) REPRESENTANTE: RAFAEL MENEZES TRINDADE BARRETTO – BA18418, RAFAEL DE MEDEIROS CHAVES MATTOS – BA16035-A, TAMARA COSTA MEDINA DA SILVA – BA15776-A
Advogados do(a) REPRESENTANTE: RAFAEL MENEZES TRINDADE BARRETTO – BA18418, RAFAEL DE MEDEIROS CHAVES MATTOS – BA16035-A, TAMARA COSTA MEDINA DA SILVA – BA15776-A
REPRESENTADA: ELEICAO 2024 JORGE BENEDITO LIMA VEREADOR, ELEICAO 2024 CASIMIRO MARTINS CANDIDO VEREADOR, ELEICAO 2024 CLAUDIA MOREIRA REIS VEREADOR, ELEICAO 2024 ISABELLA BASTOS NOGUEIRA VEREADOR, ELEICAO 2024 PATRICIA GUIMARAES DA SILVA MACHADO VEREADOR
REPRESENTADO: ELEICAO 2024 FELIPE MEDEIROS CONEGUNDES VEREADOR, ELEICAO 2024 CARLOS EDUARDO REIS NOGUEIRA JUNIOR VEREADOR, ELEICAO 2024 NILTON JOSE ALVIM VEREADOR, ELEICAO 2024 PAULO HENRIQUE SILVA DE OLIVEIRA VEREADOR, ELEICAO 2024 VITOR EMMANUEL IZOLDI DE CARVALHO VEREADOR
Advogado do(a) REPRESENTADA: FELIPE AUGUSTO ORTIZ PIRTOUSCHEG – SP165305
Advogado do(a) REPRESENTADA: FELIPE AUGUSTO ORTIZ PIRTOUSCHEG – SP165305
Advogado do(a) REPRESENTADA: FELIPE AUGUSTO ORTIZ PIRTOUSCHEG – SP165305
Advogado do(a) REPRESENTADO: FELIPE AUGUSTO ORTIZ PIRTOUSCHEG – SP165305
Advogado do(a) REPRESENTADA: FELIPE AUGUSTO ORTIZ PIRTOUSCHEG – SP165305
Advogado do(a) REPRESENTADO: FELIPE AUGUSTO ORTIZ PIRTOUSCHEG – SP165305
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Advogado do(a) REPRESENTADO: FELIPE AUGUSTO ORTIZ PIRTOUSCHEG – SP165305
Advogado do(a) REPRESENTADO: FELIPE AUGUSTO ORTIZ PIRTOUSCHEG – SP165305
SENTENÇA
Vistos.
Trata-se de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) proposta com o fim de apurar eventual fraude à cota de gênero nas eleições municipais de 2024, na qual figuram como representantes ANGELA CRISTINA FONTES SILVA E OUTROS, e, como representados, CLAUDIA MOREIRA REIS E OUTROS, todos qualificados nos autos.
De acordo com a inicial, o partido ao qual são filiados os representados teria lançado candidatura feminina fictícia, registrando candidata sabidamente inelegível e contrariando o percentual estabelecido no art. 10, §3º, da Lei 9.504/97 e no art. 17, §§ 2º e 4º, da Resolução TSE n. 23.609/2019. Segundo consta, o Partido Solidariedade do Município de Bananal/SP formalizou pedido de registro de dez candidatos ao cargo de vereador, dentre os quais três são mulheres. Ocorre que a candidata Claudia Moreira Reis estava inelegível desde 10/05/2023, quando foi demitida do serviço público em decorrência de processo administrativo regular, sendo tal fato de conhecimento de todos os membros do partido. Apesar do deferimento do DRAP, o registro da candidatura de Cláudia foi indeferido, e, mesmo dentro do prazo legal, o partido deixou de realizar a substituição da candidatura, bem como não procedeu à readequação do número de candidatos ao cargo de vereador. Ainda, o caráter fictício da candidatura restaria corroborado pela ausência de movimentação financeira destinada à campanha. Com a inicial, vieram os documentos.
Notificados, os representados apresentaram defesa alegando, em síntese, que o cumprimento da cota de gênero deve ser verificado no momento do registro do DRAP e que fatos supervenientes, como o indeferimento de candidatura por inelegibilidade, não configuram indício de má-fé ou conluio com o propósito de fraudar o percentual estabelecido em lei. Informaram que a prestação de contas parcial encontra-se zerada em razão de os representados terem recebido material de campanha em doação (“santinhos em dobrada” e adesivos perfurados), e que Cláudia permanecia ativa em sua campanha, acreditando na reforma da decisão que indeferiu o registro de sua candidatura. Outrossim, defenderam a impossibilidade de substituição da candidatura antes do trânsito em julgado da referida decisão, ainda pendente de recurso, bem como o desconhecimento, por parte da candidata, de qualquer impedimento para concorrer ao pleito. Do mesmo modo, o partido e os demais candidatos não tinham conhecimento de que Cláudia ostentava condição de inelegibilidade. Ao final, requereram a improcedência da ação. Amealharam documentos.
Realizada audiência de instrução e julgamento no dia 07 de novembro de 2024, foi produzida a prova oral.
Alegações finais apresentadas pelas representantes (id 133067282) e pelos representados (id 133147359), as últimas intempestivas.
Em parecer final (id. 133211862), o Ministério Público Eleitoral opinou pela procedência da AIJE.
É o relatório. Fundamento e decido.
A representação é procedente. Vejamos:
A Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) fundamenta-se nos preceitos estabelecidos no art. 14 da Constituição Federal e é regulamentada pelo art. 22, caput, da Lei Complementar n. 64/1990 (Lei de Inelegibilidade).
Seus objetivos são: a) promover e assegurar as condições de igualdade entre os candidatos durante a disputa eleitoral; e b) proteger “a probidade administrativa, a moralidade para o exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta” (art. 14, § 9º CF/1988 – Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão n.º 4, de 1994).
In casu, tem-se que a AIJE foi ajuizada com vistas a apurar a ocorrência de suposta fraude à cota de gênero nas eleições municipais de Bananal/SP, ocorridas em 2024. A propósito:
“É constitucional o entendimento jurisprudencial do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) segundo o qual é: (i) cabível a utilização da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) para apuração de fraude à cota de gênero; e (ii) imperativa a cassação do registro ou do diploma de todos os candidatos beneficiados por essa fraude. (ADI 6338 / DF; Tribunal Pleno; Relatora Min. ROSA WEBER; Julgamento: 31/03/2023; Informativo 1089).
A cota de gênero é uma política afirmativa que está prevista no art. 10, §3º, da Lei n. 9.504/97 (Lei das Eleições), in verbis:
“Art. 10. Cada partido poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 100% (cem por cento) do número de lugares a preencher mais 1 (um). (Redação dada pela Lei nº 14.211, de 2021)
[…]
§ 3o Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.”
E também na Resolução TSE n. 23.609/2019:
“Art. 17. Cada partido político ou federação poderá registrar candidatas e candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 100% (cem por cento) do número de lugares a preencher mais 1 (um) ( Lei nº 9.504/1997, art. 10, caput ). (Redação dada pela Resolução nº 23.675/2021)
[…]
§ 2º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido político ou federação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada gênero ( Lei nº 9.504/1997, art. 10, § 3º ). (Redação dada pela Resolução nº 23.675/2021)
[…]
§ 4º O cálculo dos percentuais de candidaturas para cada gênero terá como base o número de candidaturas efetivamente requeridas pelo partido político ou pela federação, com a devida autorização da candidata ou do candidato, e deverá ser observado nos casos de vagas remanescentes ou de substituição. (Redação dada pela Resolução nº 23.675/2021)”
Com efeito, o telos da norma é garantir uma maior participação feminina na política, não se restringindo ao mero cumprimento formal das cotas, mas exigindo que as candidaturas possuam caráter genuíno e que os partidos promovam esforços efetivos para preencher as vagas com candidatos realmente comprometidos com a disputa eleitoral.
No que tange à fraude à cota de gênero, dispõe a Resolução n. 23.735/2024 do TSE:
“Art. 8º A fraude lesiva ao processo eleitoral abrange atos que possam iludir, confundir ou ludibriar o eleitorado ou adulterar processos de votação e simulações e artifícios empregados com a finalidade de conferir vantagem indevida a partido político, federação, coligação, candidata ou candidato e que possam comprometer a normalidade das eleições e a legitimidade dos mandatos eletivos.
§ 1º Configura fraude à lei, para fins eleitorais, a prática de atos com aparência de legalidade, mas destinados a frustrar os objetivos de normas eleitorais cogentes.
§ 2º A obtenção de votação zerada ou irrisória de candidatas, a prestação de contas com idêntica movimentação financeira e a ausência de atos efetivos de campanha em benefício próprio são suficientes para evidenciar o propósito de burlar o cumprimento da norma que estabelece a cota de gênero, conclusão não afastada pela afirmação não comprovada de desistência tácita da competição.
§ 3º Configura fraude à cota de gênero a negligência do partido político ou da federação na apresentação e no pedido de registro de candidaturas femininas, revelada por fatores como a inviabilidade jurídica patente da candidatura, a inércia em sanar pendência documental, a revelia e a ausência de substituição de candidata indeferida.
§ 4º Para a caracterização da fraude à cota de gênero, é suficiente o desvirtuamento finalístico, dispensada a demonstração do elemento subjetivo (consilium fraudis), consistente na intenção de fraudar a lei.
§ 5º A fraude à cota de gênero acarreta a cassação do diploma de todas as candidatas eleitas e de todos os candidatos eleitos, a invalidação da lista de candidaturas do partido ou da federação que dela tenha se valido e a anulação dos votos nominais e de legenda, com as consequências previstas no caput do art. 224 do Código Eleitoral.”
Nessa toada, o TSE, com especial atenção às eleições municipais de 2024, por meio da Súmula nº 73, consolidou o entendimento jurisprudencial já pacificado pela Corte, orientando os magistrados eleitorais em todo o território nacional sobre os elementos que, isolada ou conjuntamente, possam caracterizar fraude à cota de gênero:
Súmula-TSE n. 73: A fraude à cota de gênero, consistente no desrespeito ao percentual mínimo de 30% (trinta por cento) de candidaturas femininas, nos termos do art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, configura-se com a presença de um ou alguns dos seguintes elementos, quando os fatos e as circunstâncias do caso concreto assim permitirem concluir: (1) votação zerada ou inexpressiva; (2) prestação de contas zerada, padronizada ou ausência de movimentação financeira relevante; e (3) ausência de atos efetivos de campanhas, divulgação ou promoção da candidatura de terceiros. O reconhecimento do ilícito acarretará: (a) a cassação do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (Drap) da legenda e dos diplomas dos candidatos a ele vinculados, independentemente de prova de participação, ciência ou anuência deles; (b) a inelegibilidade daqueles que praticaram ou anuíram com a conduta, nas hipóteses de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE); (c) a nulidade dos votos obtidos pelo partido, com a recontagem dos quocientes eleitoral e partidário (art. 222 do Código Eleitoral), inclusive para fins de aplicação do art. 224 do Código Eleitoral.
Pois bem.
O Partido Solidariedade lançou 10 candidaturas ao cargo de vereador, das quais 3 eram de mulheres, o que, em tese, respeitaria o percentual estabelecido em lei.
No entanto, desde 10/05/2023, a candidata Cláudia Reis encontra-se inelegível, nos termos do art. 1º, inciso I, alínea “o”, da LC n. 64/90, em razão de sua demissão do serviço público após processo administrativo.
Ressalto que o ato administrativo permanece hígido até o momento, visto que não foi suspenso ou anulado pelo Poder Judiciário. Inclusive, compulsando os autos de n. 0000436-73.2023.8.26.0059, em tramitação na Vara Única de Bananal, observo que a representada foi intimada, em 13/11/2023, da decisão que indeferiu a tutela provisória para reintegração ao serviço público, o que refuta a alegação de desconhecimento sobre sua própria inelegibilidade.
Nesse contexto, embora o DRAP tenha sido aprovado, considerando a aparente regularidade das candidaturas apresentadas, o pedido de registro de candidatura da representada Cláudia foi indeferido por sentença publicada em 03/09/2024 (autos n. 0600222-90.2024.6.26.0018), ou seja, antes do prazo final para a substituição de candidatos, encerrado em 16/09/2024 (art. 13, §3º, da Lei n. 9.504/97).
Embora se alegue que a ausência de trânsito em julgado da sentença impediria a substituição da candidata, fato é que o recurso de Cláudia foi apresentado fora do prazo, visto que o trânsito em julgado ocorreu em 08/09/2024 e o recurso só foi interposto em 10/09/2024.
Além disso, conquanto a proporcionalidade de gênero deva ser aferida no momento da formalização do DRAP, colaciono trecho de recente julgado, que reflete o atual posicionamento TSE e cuja fundamentação adiro:
“ELEIÇÕES 2020. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. FRAUDE À COTA DE GÊNERO. NÃO SUBSTITUIÇÃO DAS CANDIDATAS. ÓBICES À ELEGIBILIDADE FLAGRANTES OU PRESUMÍVEIS. CANDIDATURAS FICTAS. PROVIMENTO.
[…]
Atual jurisprudência do TSE
4. Em julgado oriundo do Município de Timon/MA (REspEl 0600965-83, de minha relatoria, DJE de 15.9.2023), este Tribunal decidiu, por unanimidade, que, se o partido assume o risco de lançar candidata potencialmente inelegível, ou mesmo sem reunir condições de elegibilidade, deve fazê-lo apenas se e quando já garantida a observância do mínimo legal com candidaturas juridicamente hígidas, ou sobre as quais não haja questionamento jurídico.
5. Sobre o tema, esta Corte tem firmado a orientação de que a apresentação de candidaturas inviáveis, apenas para cumprir o percentual da quota de gênero, aliada a outros elementos, tem o condão de configurar fraude à norma descrita no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97. Nessa linha de entendimento, destaco os seguintes julgados: 0601822-64, rel. Min. Raul Araujo Filho, DJE de 15.2.2024; REspEl 0601218-35, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 11.12.2023; REspEl 0600914-12, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 1º.12.2023.
Mérito – afronta ao art. 10, § 3º, da Lei 9.504/976.
A Corte Regional concluiu pela improcedência da ação, à míngua de provas robustas acerca da fraude ao percentual mínimo estabelecido, conforme previsão do art. 10, § 3º, Lei 9.504/97, uma vez que o partido teria disponibilizado, para o pleito proporcional, 68% das vagas para o gênero masculino e 31% para o feminino, cenário que somente veio a ser alterado após o pleito, diante do deferimento posterior do registro de uma candidatura masculina.
7. A evolução normativa, doutrinária e jurisprudencial sobre os dispositivos que impactam a promoção de candidaturas do gênero sub-representado, no caso do gênero feminino, aponta para a necessidade do lançamento de candidaturas efetivas, com condições mínimas de partida, de participação na campanha eleitoral e de obtenção de resultados.
8. De acordo com o § 3º do art. 10 da Lei 9.504/97, do número de candidatos registrados para a Câmara dos Deputados, para a Câmara Legislativa, para as Assembleias Legislativas e para as Câmaras Municipais, “cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo”, preceito voltado à representação parlamentar mais equânime entre os gêneros masculino e feminino.
9. O estabelecimento de cotas de gênero não vincula partidos a proporções estanques de candidaturas lançadas, senão aos parâmetros legais mínimo e máximo. Nada impede, e a necessária concretização dos vetores da igualdade e da representatividade eleitoral recomenda, que as agremiações lancem candidaturas do gênero sub-representado em patamar superior ao piso legal.
10. Mesmo quando consideradas as particularidades de cada colégio eleitoral, as agremiações partidárias, como pessoas jurídicas essenciais à realização dos valores democráticos, devem se comprometer ativamente com a concretização dos direitos fundamentais – são dotados de eficácia transversal – mediante o lançamento de candidaturas femininas juridicamente viáveis, minimamente financiadas e com pretensão efetiva de disputa.
11. Sobrevindo questionamento à candidatura do gênero sub-representado, o partido deve, se ainda viável a substituição nos autos do DRAP, fazer as adequações necessárias à proporção mínima de candidaturas masculinas e femininas. Não o fazendo a tempo e modo, as candidaturas femininas juridicamente inviáveis, ou com razoável dúvida sobre a sua viabilidade, podem ser consideradas fictas para fins de apuração de alegada fraude ao disposto no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97.
Aspectos do caso concreto. Dos elementos indiciários caracterizadores da fraude à cota de gênero. Inviabilidade das candidaturas, inclusive no plano jurídico
12. Do exame das premissas fáticas registradas pela instância ordinária, extrai-se o seguinte:
i) o partido inscreveu, na cota mínima de 30%, duas candidatas que claramente não preenchiam as condições legais para o deferimento dos seus registros, diante da ausência de condição de elegibilidade (falta de domicílio eleitoral na circunscrição do pleito) e de causa de inelegibilidade (condenação criminal);
ii) os óbices às candidaturas foram detectados e as respectivas sentenças prolatadas antes do término do prazo de substituição;
iii) embora uma das candidatas tenha recorrido contra o indeferimento do seu registro, não houve demonstração cabal da prática de atos efetivos de campanha;
iv) o partido, mesmo tendo ciência da inviabilidade das candidaturas, não providenciou a substituição das candidatas dentro do prazo legal;
v) as candidatas receberam recursos de campanha em valores ínfimos (R$ 369,00 e R$ 289,00);
vi) as candidatas tiveram votação zerada, em vista da situação jurídica dos registros de candidatura.
13. A partir do parâmetro hermenêutico de que o lançamento de candidaturas femininas deve ser efetivo, minimamente viável no plano jurídico, a insistência do partido em manter, como integrantes de sua cota mínima, candidatas com óbices relevantes ao deferimento dos respectivos registros, associada à inação das candidatas para a defesa de suas candidaturas e para a consequente continuidade das campanhas, evidencia a fraude ao art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97, mediante o preenchimento ficto da cota de gênero por quem não tinha a pretensão nem as condições jurídicas para participar do pleito.
14. Se o partido agravado decidiu manter candidaturas femininas juridicamente inviáveis, ou sobre as quais pairava razoável dúvida, fê-lo por conta e risco e sob pena de, uma vez desatendido o mínimo legal, ver reconhecida a fraude aos comandos normativos alusivos à promoção da participação da mulher na política e na representação de cargos parlamentares. […]( Recurso Especial Eleitoral nº060060398, Acórdão, Min. Floriano De Azevedo Marques, Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, 08/04/2024.)”
Não há dúvidas, portanto, de que os percentuais mínimos de gênero devam ser observados ao longo de todo o processo eleitoral.
Isso porque, como cediço, é vedado no Brasil o registro de candidaturas sem vínculo partidário. Nesse contexto, as plataformas defendidas pelos partidos devem, necessariamente, refletir os anseios e demandas da sociedade, uma vez que a divulgação, pela legenda, de diversas doutrinas filosóficas e políticas fomenta o debate e a busca por soluções para as mazelas sociais – dentre as quais está a disparidade de gêneros entre os ocupantes de cargos de poder – , contribuindo para a formação de opinião sobre as principais questões nacionais e o amadurecimento do eleitor no exercício da cidadania.
Assim, ainda que o partido e seus membros não soubessem da inelegibilidade da candidata no momento da formalização do DRAP, tiveram a oportunidade de proceder à substituição dentro do prazo legal, mas optaram por não fazê-lo, assumindo o risco de, ao inobservar o mínimo legal, incorrer em fraude e sujeitar-se às sanções correspondentes.
Ressalto, contudo, ser pouco plausível que os membros do partido desconhecessem a referida inelegibilidade ou, ao menos, o questionamento sobre a viabilidade da candidatura, considerando que o tamanho do município favorece a rápida disseminação de notícias, especialmente quando se leva em conta a área de atuação da representada e os motivos de sua demissão. Por outro lado, é ainda mais difícil acreditar que os representados nada soubessem, diante dos benefícios que, inequivocamente, obteriam com a referida fraude.
Além disso, em juízo, a testemunha Daniele, que sequer era membro do partido, afirmou saber do afastamento de Cláudia do serviço público. No ponto, assinalo que o depoimento da testemunha Alan Kardec mostrou-se incongruente, pois é difícil crer que o depoente tenha tomado conhecimento da demissão de Cláudia há poucas semanas, sendo ambos colegas de trabalho.
Evidencia-se, portanto, a desídia do partido e dos representados, que, plenamente cientes das possíveis consequências da procedência de uma AIJE, poderiam ter se oposto à conduta fraudulenta e adotado medidas para assegurar o equilíbrio das cotas de gênero. Ao tomarem conhecimento dos fatos e permanecerem inertes, os representados consentiram tacitamente com a fraude, assumindo tanto os aparentes benefícios, quanto os riscos envolvidos.
Com efeito, para a caracterização da fraude à cota de gênero, é suficiente o desvirtuamento finalístico, sendo despicienda a demonstração do elemento subjetivo, consistente na intenção de fraudar a lei.
Dessarte, os fatos e as circunstâncias do caso concreto permitem concluir que, de fato, houve fraude à cota de gênero, haja vista que: a) o partido registrou candidata sabidamente inelegível, antes de preencher o mínimo legal com candidaturas juridicamente válidas ou, ao menos, sem questionamento jurídico; b) a sentença de indeferimento da candidatura foi publicada antes do término para o prazo legal para substituição de candidatos; c) embora a candidata tenha recorrido do indeferimento do registro de sua candidatura, o fez intempestivamente; d) o partido e seus membros, mesmo tendo ciência da inviabilidade da candidatura, não providenciaram a redução do número de candidatos do gênero masculino ou a substituição da candidata dentro do prazo legal.
Corroboram a conclusão de fraude à cota de gênero a quantidade inexpressiva de votos obtida pela representada (48) e os extratos por ela apresentados na prestação de contas (autos n. 0600607-38.2024.6.26.0018), com o extrato parcial zerado e o final apresentando um total de receitas no valor de apenas R$200,00 (duzentos reais).
Malgrado Cláudia tenha praticado atos de campanha, isso não é suficiente para afastar sua inelegibilidade concreta, tampouco para desconsiderar a sua má-fé e a dos demais envolvidos.
Destaco, por fim, que o princípio do in dubio pro voto não se aplica em situações em que a fraude é comprovada, como no presente caso.
Ante o exposto, reconheço a existência de elementos suficientes para caracterizar a fraude à cota de gênero e, com fundamento no artigo 487, inciso I, do CPC, no artigo 22, inciso XIV, da LC n. 64/90 e na Súmula n. 73 do TSE, JULGO PROCEDENTE a representação, para:
- Determinar a cassação do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) do Partido Solidariedade;
- Declarar a inelegibilidade, por 8 (oito) anos a partir das eleições de 2024, de todos os representados do polo passivo da demanda, por terem efetivamente praticado, anuído ou, de alguma forma, se beneficiado da conduta questionada;
- Declarar a nulidade dos votos obtidos pela legenda, com a consequente impossibilidade da expedição dos diplomas e, ainda, a recontagem dos quocientes eleitoral e partidário (art. 222 do Código Eleitoral), inclusive para fins de aplicação do art. 224 do Código Eleitoral.
Sem custas e honorários sucumbenciais.
Ciência ao MPE.
Após o trânsito em julgado, arquivem-se com as anotações de praxe.
P.I.C.
Bananal, na data da assinatura eletrônica.
LUCIENE BELAN FERREIRA ALLEMAND
Juíza Eleitoral